domingo, 26 de junho de 2011

Petista venceu disputa para a FAO. Pior para a FAO!

Sempre, Reinaldo Azevedo Não desisto de Publicar para ler e reler... Chora petralhas!!


Petista venceu disputa para a FAO. Pior para a FAO!

Posso até decepcionar alguns amigos e admiradores com certas opiniões que tenho. Acontece com freqüência. Como não penso por bloco — isto é, rejeito idéias que vêm em pacotes —-, muitos me esperam mais conservador onde posso ser um tanto ousado; outros cobram alguma ousadia onde me mostro inamovível, e assim vai… Costumo pensar cada coisa em sua natureza. Jamais me obrigo a gostar do que não gosto para que não me achem “incoerente”. Mas me desviei um pouco. Eu queria dizer o seguinte: posso até decepcionar alguns amigos e/ou admiradores às vezes. Mas jamais decepcionarei um petralha! Nunca! Eles não gostarem de mim é um imperativo ético… para mim!!! Por que isso?
O petista José Graziano venceu a disputa para o cargo de diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). E lá veio a petralhada: “Quero ver você falar mal disso também…” Como??? “Disso também???” Mas essa é uma das tarefas mais fáceis que tenho. Graziano responde por um estonteante fracasso do governo Lula: o Fome Zero. Quem ainda se lembra daquela patacoada? Durante quase um ano, o Apedeuta insistiu na sua “revolução”. E acabou fazendo o que os petistas sempre fazem: copiar tucano. Juntou todos os programas sociais do governo Fernando Henrique Cardoso no Bolsa Família.
Eu posso provar o que digo, entendem? No dia 9 de abril de 2003, com o Fome Zero empacado, Lula fez um discurso no semi-árido nordestino, na presença de Ciro Gomes, em que disse com todas as letras que acreditava que os programas que geraram o Bolsa Família levavam os assistidos à vagabundagem. Querem ler? Pois não! Segue em vermelho.
Eu, um dia desses, Ciro [Gomes, ministro da Integração Nacional], estava em Cabedelo, na Paraíba, e tinha um encontro com os trabalhadores rurais, Manoel Serra [presidente da Contag - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura], e um deles falava assim para mim: “Lula, sabe o que está acontecendo aqui, na nossa região? O povo está acostumado a receber muita coisa de favor. Antigamente, quando chovia, o povo logo corria para plantar o seu feijão, o seu milho, a sua macaxeira, porque ele sabia que ia colher, alguns meses depois. E, agora, tem gente que já não quer mais isso porque fica esperando o ‘vale-isso’, o ‘vale-aquilo’, as coisas que o Governo criou para dar para as pessoas.” Acho que isso não contribui com as reformas estruturais que o Brasil precisa ter para que as pessoas possam viver condignamente, às custas do seu trabalho. Eu sempre disse que não há nada mais digno para um homem e para uma mulher do que levantar de manhã, trabalhar e, no final do mês ou no final da colheita, poder comer às custas do seu trabalho, às custas daquilo que produziu, às custas daquilo que plantou. Isso é o que dá dignidade. Isso é o que faz as pessoas andarem de cabeça erguida. Isso é o que faz as pessoas aprenderem a escolher melhor quem é seu candidato a vereador, a prefeito, a deputado, a senador, a governador, a presidente da República. Isso é o que motiva as pessoas a quererem aprender um pouco mais.
Voltei
Viram só? Para Lula, o Bolsa Família tirava do pobre a vontade de plantar macaxeira. O Fome Zero era uma bagunça sem solução. Assim, no dia 20 de outubro de 2003, o Apedeuta, segundo quem os programas de renda geravam vagabundos, editou uma Medida Provisória criando o Bolsa Família, que juntava, entre outros programas, o Bolsa Escola (criada por Paulo Renato) e o Programa Nacional de Renda Mínima, criado por Serra no Ministério da Saúde. Não acreditem em mim. Acreditem no texto da MP, de que segue um trecho:
(…) programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação - “Bolsa Escola”, instituído pela Lei n.° 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA, criado pela Lei n.° 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde - “Bolsa Alimentação”, instituído pela medida provisória n.° 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto n.° 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto n.° 3.877, de 24 de julho de 2001.
Isso quer dizer que o programa de Graziano tinha ido para a cucuia. E daí? Os estrangeiros não sabem disso, e o Brasil fez uma campanha intensa, opondo um tantinho os países pobres contra o ricos — e se fazendo representante dos pobres, claro. Por 92 votos a 88, Graziano venceu Miguel Ángel Moratinos, ex-ministro de Relações Exteriores da Espanha. Para sorte dos países que dependem da FAO, torço sinceramente para que ele não demonstre naquele organismo a incompetência comprovada que demonstrou no Brasil.
Primeira vitória em meio a derrotas
Eu estou entre aqueles que não vêem grandes avanços de conteúdo na política externa brasileira. Por enquanto, acho que a diferença é mais de retórica, de estilo, o que não deixa de ser, vá lá, uma manifestação positiva. O fato é que o Brasil obteve a primeira vitória na disputa por um organismo multilateral em nove anos de petismo, o que dá prova da incompetência do Itamaraty nesse tempo. Abaixo, a listinha que vocês conhecem com as derrotas e as besteiras feitas pelo ministério. Volto para encerrar:
LISTA DE BESTEIRAS E DERROTAS DE CELSO AMORIM:
NOME PARA A OMC
Amorim tentou emplacar Luís Felipe de Seixas Corrêa na Organização Mundial do Comércio em 2005. Perdeu. Sabem qual foi o único país latino-americano que votou no Brasil? O Panamá!!! Culpa do Itamaraty, não de Seixas Corrêa.
OMC DE NOVO
O Brasil indicou Ellen Gracie em 2009. Perdeu de novo. Culpa do Itamaraty, não de Gracie.
NOME PARA O BID
Também em 2005, o Brasil tentou João Sayad na presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Deu errado outra vez. Dos nove membros, só quatro votaram no Brasil - do Mercosul, apenas um: a Argentina. Culpa do Itamaraty, não de Sayad.
ONU
O Brasil tenta, como obsessão, a ampliação (e uma vaga permanente) do Conselho de Segurança da ONU. Quem não quer? Parte da resistência ativa à pretensão está justamente no continente: México, Argentina e, por motivos óbvios e justificados, a Colômbia.
CHINA
O Brasil concedeu à China o status de “economia de mercado”, o que é uma piada, em troca de um possível apoio daquele país à ampliação do número de vagas permanentes no Conselho de Segurança da ONU. A China topou, levou o que queria e passou a lutar… contra a ampliação do conselho. Chineses fazem negócos há uns cinco mil anos, os petistas, há apenas 30…
DITADURAS ÁRABES
Sob o reinado dos trapalhões do Itamaraty, Lula fez um périplo pelas ditaduras árabes do Oriente Médio.
CÚPULA DE ANÕES
Em maio de 2005, no extremo da ridicularia, o Brasil realizou a cúpula América do Sul-Países Árabes. Era Lula estreando como rival de George W. Bush, se é que vocês me entendem. Falando a um bando de ditadores, alguns deles financiadores do terrorismo, o Apedeuta celebrou o exercício de democracia e de tolerância… No Irã, agora, ele tentou ser rival de Barack Obama…
ISRAEL E SUDÃO
A política externa brasileira tem sido de um ridículo sem fim. Em 2006, o país votou contra Israel no Conselho de Direitos Humanos da ONU, mas, no ano anterior, negara-se a condenar o governo do Sudão por proteger uma milícia genocida, que praticou os massacres de Darfur - mais de 300 mil mortos! Por que o Brasil quer tanto uma vaga no Conselho de Segurança da ONU? Que senso tão atilado de justiça exibe para fazer tal pleito?
FARC
O Brasil, na prática, declara a sua neutralidade na luta entre o governo constitucional da Colômbia e os terroristas da Farc. Já escrevi muito a respeito.
RODADA DOHA
O Itamaraty fez o Brasil apostar tudo na Rodada Doha, que foi para o vinagre. Quando viu tudo desmoronar, Amorim não teve dúvida: atacou os Estados Unidos.
UNESCO
Amorim apoiou para o comando da Unesco o egípcio anti-semita e potencial queimador de livros Farouk Hosni. Ganhou a búlgara Irina Bukova. Para endossar o nome de Hosni, Amorim desprezou o brasileiro Márcio Barbosa, que contaria com o apoio tranqüilo dos Estados unidos e dos países europeus. Chutou um brasileiro, apoiou um egípcio, e venceu uma búlgara.
HONDURAS
O Brasil apoiou o golpista Manuel Zelaya e incentivou, na prática, uma tentativa de guerra civil no país. Perdeu! Honduras realizou eleições limpas e democráticas. Lula não reconheceu o governo.
AMÉRICA DO SUL
Países sul-americanos pintam e bordam com o Brasil. Evo Morales, o índio de araque, nos tomou a Petrobras, incentivado por Hugo Chávez, que o Brasil trata como uma democrata irretocável. Como paga, promove a entrada do Beiçola de Caracas no Mercosul. Quem está segurando o ingresso, por enquanto, é o Parlamento… paraguaio!  A Argentina impõe barreiras comerciais à vontade. E o Brasil compreende. O Paraguai decidiu rasgar o contrato de Itaipu. E o Equador já chegou a seqüestrar brasileiros. Mas somos muito compreensivos. Atitudes hostis, na América Latina, até agora, só com a democracia colombiana. Chamam a isso “pragmatismo”.
CUBA, PRESOS E BANDIDOS
Lula visitou Cuba, de novo, no meio da crise provocada pela morte do dissidente Orlando Zapata. Comparou os presos políticos que fazem greve de fome a bandidos comuns do Brasil.
IRÃ, PROTESTOS E FUTEBOL
Antes do apoio explícito ao programa nuclear e do vexame de agora, já havia demonstrado suas simpatias por Ahmadinejad e comparado os protestos das oposições  contra as fraudes eleitorais à reclamação de uma torcida cujo time perde um jogo.
Encerro
A coisa não deixa de ter sua graça. De todos os candidatos que o Brasil apresentou para disputar cargos em organismos multilaterais, Graziano é, sem dúvida, o pior, uma vez que é de incompetência comprovada. E foi justamente com ele que venceu.
Pronto! A petralhada não tem por que se decepcionar!
Por Reinaldo Azevedo







sexta-feira, 24 de junho de 2011

A Marcha para Jesus, a Parada Gay e os medos

Copiando Reinaldo, Azevedo o Mestre!!! Mais uma vez o Mestre.

A Marcha para Jesus, evento convocado por várias denominações evangélicas e que acontece anualmente em São Paulo, reuniu muita gente ontem. Os organizadores falaram em 5 milhões. É um possível exagero. A Polícia Militar, em 1 milhão, mas esse número, deixou claro, dizia respeito apenas às pessoas que se concentravam na praça Heróis da FEB, na Zona Norte da cidade, local de chegada da caminhada. O ponto principal da concentração, a partir das 10h, era a Praça da Luz. Mas havia dezenas deles espalhados no trajeto. As ruas foram tomadas por um mar de fiéis.
Cinco milhões? É muito! Um milhão? É pouco! A verdade deve andar aí pela metade da soma dos dois números (3 milhões?), o que já é algo fabuloso, sobretudo porque, à diferença de algumas concentrações festivas ou de apelo carnavalesco, esta congrega pessoas com convicções religiosas, realmente engajadas na causa. Dispensam-se os curiosos de certos eventos, que ficam parados na calçada assistindo ao desfile de alegres bizarrices.
A marcha acontecia na Avenida Paulista e adjacências. Dados o número de pessoas e os transtornos óbvios que ela provocava no trânsito da cidade, as lideranças evangélicas concordaram com a mudança de lugar. Como Deus, a rigor não precisa nem mesmo de um templo, também não precisa da Paulista. A tal Parada Gay, no entanto, que também reúne milhões (boa parte de curiosos) e que interfere drasticamente no direito de ir e vir, continua a ser realizada na avenida. Em nome de Deus, não se pode parar o trânsito, mas da causa gay, sim, de onde decorre um corolário: no que concerne ao direito de ir e vir ao menos, a militância homoafetiva está acima do divino… E o mesmo se diga dos que marcham em favor da maconha: a Paulista está vedada ao Deus cristão, mas aberta aos, como é mesmo?, cultores de Jah… Como não resisto à ironia, é nessas horas que me ocorre lembrar certos doutores: todos os deuses dos gentios são demônios (xiii, lá vem protesto dos ignorantes que nem sabem do que estou falando…).
De saída, uma questão óbvia: ou a Marcha para Jesus volta para a Paulista, ou a Parada Gay sai da Paulista. E quem criou essa oposição não fui eu, mas o poder público. Adiante.
Vocês sabem que o segredo de aborrecer é dizer tudo. Embora, do Jornal Nacional, tenha sobrado a impressão de que milhões estavam nas ruas só dando “vivas” a Jesus, a verdade é que o evento se caracterizou por duros discursos contra o Supremo Tribunal Federal, especialmente pela reconhecimento da união civil entre homossexuais e pela liberação da Marcha da Maconha — uma decisão fere o Artigo 226 da Constituição; a outra, o Artigo 287 do Código Penal.
Informa a Folha:
“O pastor Silas Malafaia, da Assembléia de Deus Vitória em Cristo, chegou a recomendar aos fiéis que não votem em políticos que sejam favoráveis à união gay. ‘O povo evangélico não vai ser curral eleitoral’, disse. ‘Se governador, prefeito ou presidente for contra a família, não terá nosso voto.’ Para Malafaia, o Supremo ‘rasgou a Constituição’ ao permitir a união civil entre homossexuais. O pastor negou que seja homofóbico.  No Congresso, 71 deputados e três senadores são ligados a igrejas evangélicas. (…) Pastor da Igreja Universal, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) criticou o ‘ativismo judicial’ e disse que ‘não é possível que seis iluminados se julguem capazes de decidir por 200 milhões’.”
Aqui só um reparo ao que diz Crivella: os 11 do Supremo têm, sim, o papel de decidir questões constitucionais que dizem respeito a 200 milhões. O que não podem fazer, aí sim, é atuar contra a letra da Constituição e dos códigos legais em nome do tal “ativismo judicial” ou o que seja. Até porque, havendo ativismo judicial de um lado, é quase certo que algum outro Poder — no caso, o Congresso — está a padecer de “passivismo legislativo”…  E como eu não seria eu se não escrevesse o que vai agora, então escrevo: Crivella é da Universal do Reino de Deus, a seita liderada pelo lulista Edir Macedo. Macedo é um ardoroso defensor do aborto, como se pode ver aqui. E não tem pejo de recorrer à Bíblia, numa leitura torta, para justificá-lo. Eu diria que a defesa do aborto é uma violação da Constituição moral dos cristãos. Encerro o parágrafo e volto ao leito.
Este Brasil que marchou ontem costuma ser tratado a pontapés na “imprensa progressista”, tanto quanto aquele que marchará depois de amanhã parece carregar todos os valores do humanismo superior, embora ninguém tenha dúvida de qual deles está de acordo com os valores da esmagadora maioria dos brasileiros. Atenção! A maioria não está necessariamente certa só porque maioria — aliás, a história ensina que pode, eventualmente, estar estupidamente errada.  Mas é de uma soberba estupenda que valores solidamente arraigados na cultura brasileira sejam tratados apenas como uma tolice do senso comum a ser superada por um ente de razão civilizador, que vai educar o povo ex officio.
Tenho para mim que as atuais oposições só voltarão ao poder no Brasil no dia em que não tiverem mais medo dos que marcharam ontem nem dos que marcharem depois de amanhã. São medos diferentes, evidentemente, mas que se combinam: num caso, a oposição teme parecer reacionária; no outro, teme não parecer progressista; em qualquer caso, fica imobilizada. Os crentes e os gays vão para a praça, e os oposicionistas ficam dando milho aos pombos…
Por Reinaldo Azevedo

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Este nosso Brasil LYA LUFT

REVISTA VEJA

Não gosto do meu ceticismo e assombro diante de muitas coisas, no que diz respeito ao Brasil, mas eles existem. Cada vez mais me espanto, e cada vez menos acredito. Não funciona, comigo, aquela conhecida frase dos mais velhos "a mim, nada mais me espanta". Pois a mim tudo ainda me choca, ou intriga, faz rir ou chorar ou me indignar como sempre, pois, vivendo mais, conheço mais as dores humanas, nossa responsabilidade, nossa miséria, nosso dever de solidariedade e trabalho, a necessidade de competência e honradez, de exemplo e seriedade. Seja como for, coisas bizarras acontecem neste Brasil nosso tão amado e tão negligenciado. Ao qual faltam, quem sabe, atenção, consciência, indignação, exigências junto dos que nos lideram ou governam, ou representam, educam ou deveriam educar, amparam ou deveriam amparar.

Outro dia escrevi sobre o tal livro com erros de português, metade aplaude, metade diz que a gente não entendeu nada, ou que é isso mesmo. Autoridades fazem as mais estapafúrdias afirmações. Logo apareceram outros livros escolares com erros crassos. Não são novidade livros didáticos com erros, e ninguém dava bola. Ninguém percebia, quem percebia ficou na moita, para que se incomodar? O mundo é assim, a vida é assim, o Brasil é assim. Aí eu protesto. O Brasil é bem melhor que isso, mas tem gente que gosta que ele pareça assim, alegrinho, divertido, hospitaleiro e alienado. Afasta preocupações e cobranças, e atrai turistas.

No governo, no Senado, na Câmara, pessoas altamente suspeitas, condenadas ou não, sendo processadas ou não, continuam em altos cargos ou voltam a eles, e são aplaudidas de pé enquanto nós, os que tentamos ser honestos e pagamos pelo circo todo trabalhando às vezes até o anoitecer da vida e das forças, se não cuidarmos levamos multa cuspida, advertência, punição, ainda que esta venha através de impostos cruéis.

Às vezes parece que nem sabemos direito quem nos governa, quem são os lideres, os grandes cuidadores do país. Saber causaria angústia, então fechamos os olhos. Desconhecidos, ou sabidamente ruins, alguns meras promessas, estão em altíssimos postos, parte de nosso destino depende deles.

Nas pesquisas, nas quais nunca acreditei muito, a opinião pública consagra tudo isso na maior naturalidade. E eu me pergunto se realmente observamos, refletimos, concluímos algumas coisas, disso que acontece e tanto nos diz respeito, como o pão, o café, o salário, a vida. Temos uma opinião formada e firme? Lutamos pela honra, pela melhor administração, pela segurança, pela decência, pela confiança que precisamos depositar nos líderes, nos governantes, nos nossos representantes ... ou nos entregamos ao fluxo das ondas, interessados muito mais no novo celular, no iPod, no iPad, no tablet, na fofoca da vizinhança, na troca da geladeira, na TV plana, no carrinho dos sonhos, pago em oitenta prestações impossíveis?

Acho que andamos otimistas demais, omissos demais, alienados demais. Devemos ser pacíficos e ordeiros, mas atentos. Aplaudir o erro é insensatez, valorizar o nebuloso é burrice, achar que tudo está ótimo é tiro no pé.

Logo não teremos mais pé para receber a bala, e vamos atirar na cabeça, não do erro, do desmando, da improvisação ou da incompetência, mas na nossa própria cabeça pouco pensante e, eu acho, nestes dias, otimista demais. Sofremos e torcemos pelo nosso país ou, ao primeiro trio elétrico que passa, ao primeiro show espetacular, esquecemos tudo (ser sério é tão chato ... ) e saímos nos requebrando, e aplaudindo, aprovando sempre, não importa o quê?

Começo a ter medo. Não o medo que temos diante de um cano de revólver, ou do barulho de um assaltante na casa, não o medo de que algum mal aconteça às pessoas amadas, mas um receio difuso, sombrio, de que estejamos bailando feito alucinados ou crianças inconscientes à beira de um abismo disfarçado por nuvenzinhas coloridas chamadas alienação, para dentro do qual vão escorregando, ou despencando, os nossos conceitos de patriotismo, decência, firmeza, lucidez, liderança, e uma esperança sem ufanismo tolo.

E a malandragem? J. R. GUZZO

REVISTA VEJA
O Brasil vem se tornando, nos últimos anos, uma espécie de paraíso mundial da tapeação. O grande responsável por mais essa realização nacional é o governo, ou quem manda no governo, com o desenvolvimento de técnicas cada vez mais avançadas e eficientes para convencer a opinião pública de que coisas que todo mundo está vendo não existem - ou que existem coisas que ninguém consegue ver. Isso ajuda, e muito, todas as vezes que aparece uma história feia, que o governo quer esconder, ou quando ele decide fabricar uma história bonita, para mostrar méritos que não tem. Quase sempre a plateia acredita na mágica, bate palmas e diz, nas pesquisas de popularidade, que o governo é ótimo - ou, então, não mostra maior interesse no assunto, nem nas fábulas que a propaganda oficial está lhe contando. Não acredita nem desacredita; apenas não liga. O resultado é que o Brasil, hoje em dia, se transformou num dos países onde é mais fácil para o governo passar qualquer tipo de conto do vigário no público em geral.

E a célebre "malandragem brasileira", onde foi parar? O brasileiro, segundo rezam as nossas lendas, mitos e folclore, gosta de se imaginar no papel do sujeito esperto. (O locutor esportivo Galvão Bueno, homem de reconhecida competência em identificar com exatidão o que o público gosta de ouvir, diz que todo jogador da Seleção Brasileira de Futebol, do goleiro ao ponta-esquerda, é "malandro", sobretudo quando o Brasil está ganhando; é um dos seus maiores elogios.) Mas, se o brasileiro é tão esperto assim, por que está sempre no papel do otário em todo relacionamento que tem com o governo? Por que o ex-presidente da República, por exemplo, tem certeza de que vão acreditar nele quando diz que o mensalão, um dos casos de corrupção mais bem comprovados da história brasileira, simplesmente não existiu? Deveria acontecer o contrário, justamente: o povão, com todo o seu jogo de cintura, não se deixaria enganar por uma conversa dessas. A explicação para o fenômeno pode ter sido sugerida da trinta anos atrás, talvez, pelo samba Homenagem ao Malandro, de Chico Buarque de Holanda. O compositor nos conta, ali, que quis fazer uma homenagem "à nata da malandragem"; foi então à Lapa, mas perdeu a viagem, porque descobriu que "aquela tal malandragem não existe mais". A triste verdade, diz a canção, é que o malandro, agora, é um pobre coitado que "trabalha, mora lá longe e chacoalha num trem da Central". Em compensação, esclarece o compositor, "já não é normal o que dá de malandro regular, profissional, malandro com aparato de malandro oficial". Este aí, sim, conclui o samba: "Nunca se dá mal". Os malandros trocaram de lugar, então? Deve ser isso.

O fato é que vão se multiplicando em ritmo cada vez mais rápido, e com audácia cada vez maior, as histórias milagrosas para explicar todo tipo de coisa que não tem explicação. O clima, no fim, acaba ficando cômico. Uma das demonstrações mais recentes disso foi dada pelo ex-presidente Lula - um dos catedráticos na matéria, sem dúvida. Na sua atual carreira de palestrante para grandes empresas, que a cada negócio fechado o faz subir mais um degrau no mundo dos milionários brasileiros, Lula fez uma conferência para a Tetra Pak, multinacional do ramo de embalagens; recebeu, pelas informações disponíveis, 200000 reais. Não se trata, Deus nos livre, de "consultoria" do tipo que acaba de levar o ex-ministro Antonio Palocci à sua segunda ruína; é só palestra, certo? Mas acabou surgindo, nesse caso da Tetra Pak, uma questão enjoada: a empresa pediu ao ex-presidente que conseguisse uma redução de impostos para as embalagens de leite, e ele se comprometeu a tratar do assunto "com o companheiro Mantega". Estaria certa uma coisa dessas - um ex-presidente receber dinheiro de uma empresa e advogar para que ela pague menos imposto? Perguntado, Lula disse que estava batalhando para "levar leite de qualidade para a casa das pessoas". Ou seja, ele pede a todos que acreditem no seguinte: seu real interesse não foi receber os 200000 da Tetra Pak, nem atender ao pedido da empresa; o que realmente queria era ajudar o povo a comprar leite. Qual é o problema? Alguém aí vai duvidar?

Palocci, como se sabe, caiu pelo conjunto da obra, mas um dos seus piores momentos foi meter-se numa história de devolução de impostos para uma construtora. Deve haver alguma diferença com o caso da Tetra Pak, claro. Qualquer hora dessas talvez nos digam qual é.

domingo, 19 de junho de 2011

Nova prisão do ''companheiro'' Editorial- O Estado de S.Paulo

Quem conhece sua história não foi surpreendido pela notícia da nova
prisão do líder sem-terra José Rainha, em operação deflagrada pela
Polícia Federal para deter também outros nove suspeitos de integrar
uma quadrilha formada para desviar dinheiro público. Rainha é velho
conhecido da Polícia, e ele mesmo conhece bem diferentes
estabelecimentos prisionais, pois os tem visitado com certa
regularidade há muito tempo. O que causou estranheza nesse episódio
foi a crítica de um ministro de Estado - no caso, o ministro-chefe da
Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho - à
ação policial, por considerar que ela "tumultua" o processo da reforma
agrária.
O retorno de Rainha à prisão é consequência da Operação Desfalque,
conduzida pela Polícia Federal para apurar o desvio de recursos do
governo destinados a assentamentos na região do Pontal do
Paranapanema, no oeste do Estado de São Paulo, área em que o detido
atua. Expulso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST),
Rainha está à frente do que ele denominou MST de Base.

A investigação começou a partir de relatos dos próprios assentados do
Pontal do Paranapanema, que, em depoimentos à Polícia Federal e ao
Ministério Público, disseram não aguentar mais "ser espoliados e
controlados pela organização criminosa", liderada por Rainha, como
afirma a denúncia. Em abril, a Justiça Federal aceitou denúncia do
Ministério Público contra ele e outras pessoas, por desvio de dinheiro
que era repassado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) para as entidades criadas pelos assentados.

O que há de novo nessa prisão temporária de Rainha é o motivo. Esta é
a primeira vez que ele é suspeito de desvio de dinheiro público.

Rainha já foi acusado de outros crimes. Em 1997, por exemplo, foi a
julgamento pela participação no assassinato de um fazendeiro e de um
policial militar em Pedro Canário, no Espírito Santo. Condenado a 26
anos de prisão, recorreu e foi absolvido. Em 2002, foi preso em
flagrante por porte ilegal de arma no município de Euclides da Cunha,
no Pontal do Paranapanema. Nos anos seguintes, até 2006, foi preso
mais três vezes no Pontal, sob acusações variadas, como formação de
quadrilha, incitação à violência, incêndio e furto.

É surpreendente que, tendo Rainha essa folha corrida, o ministro
Gilberto Carvalho tenha se declarado "extremamente preocupado" com a
prisão, que, no seu entender, tumultua o processo de reforma agrária e
o relacionamento do governo com os movimentos sociais. Em nota
divulgada após a publicação dessas declarações, Carvalho esclareceu
que "em nenhum momento pretendi imiscuir-me no processo de
investigação que levou às prisões" e observou que a lei assegura aos
acusados o direito de defesa "e os preserva de condenações açodadas,
antes do devido processo legal".

É uma observação desnecessária, pois não houve nem há nenhuma
indicação de que, no caso da nova prisão de José Rainha, seus direitos
não estejam sendo assegurados.

Com suas declarações, Carvalho não deixa nenhuma dúvida de que, também
no que se refere a Rainha, sua posição é idêntica à de seu chefe Luiz
Inácio Lula da Silva.

Em 2005, em pleno exercício de seu primeiro mandato presidencial, Lula
fez uma clara homenagem a José Rainha, a quem trata familiarmente por
Zé, mesmo tendo o líder rural já sido acusado, julgado, condenado e
depois inocentado por participação em assassinatos e preso outras
vezes sob diferentes acusações.

Para Lula, Rainha "é perseguido, de vez em quando preso", mas, acima
de tudo, é "companheiro de primeira hora", "companheiro que conheço há
muitos anos, há muitos e muitos anos". Na ocasião, Lula disse que,
"quando eu deixar de ser presidente, muitos que hoje são meus
companheiros não serão mais, mas você (dirigindo-se a Rainha)
continuará sendo meu companheiro".

Além dos riscos à segurança pública que o levaram à prisão em outras
ocasiões, agora o "companheiro" Rainha é preso por representar risco
às finanças públicas.

FHC aos 80 Celso Lafer

O Estado de S.Paulo
Fernando Henrique Cardoso chega aos 80 anos em grande forma e na
plenitude das qualidades que dele fizeram um grande intelectual e um
grande homem público. É o nosso elder statesman e a sua palavra tem
prioridade na agenda de discussão nacional. Tem prioridade porque é
dotada de autoridade, que se caracteriza por ser menos que um comando,
mas mais do que um conselho, na definição de Mommsen. Essa autoridade
é fruto do seu percurso e do seu legado, que aqui destaco celebrando o
seu aniversário e, ao mesmo tempo, contrapondo-me à damnatio memoriae
com a qual o presidente Lula, o PT e os seus simpatizantes, inclusive
no mundo acadêmico, buscaram infligir à sua trajetória.

A damnatio memoriae é um instituto do Direito Romano por meio do qual
um sucessor condenava a memória do seu antecessor, buscando apagar a
sua imagem e eliminar o seu nome das inscrições, considerando-o um
inimigo ou uma vergonha para o Estado romano. No Brasil, esse é o
objetivo da retórica da "herança maldita", tal como persistentemente
aplicada à qualificação da sua gestão presidencial por seu sucessor e
acólitos. Ressalvo que dessa postura se afastou a presidente Dilma
Rousseff, ao saudar com civilidade republicana os 80 anos de FHC e ao
identificar os seus méritos.

Fernando Henrique é um raro caso, no Brasil e no mundo, de um grande
intelectual que foi bem-sucedido na política, alcançando a Presidência
da República no primeiro turno, por voto majoritário, em duas
sucessivas eleições. Usualmente os intelectuais, na medida em que se
interessam pela política, ou se dedicam à crítica do poder ou a
assessorar o poder. FHC, além de ter desempenhado esses dois papéis,
exerceu o poder no vértice do sistema político brasileiro. Logrou
alcançar e exercer o poder em função de certas características de
personalidade que merecem o elogio, e não a condenação de uma
ressentida damnatio memoriae.

FHC foi afirmando a sua liderança desde os tempos da universidade, o
que lhe valeu o reconhecimento dos seus pares. São componentes do modo
de ser da sua liderança a agilidade e a rapidez da inteligência, que
os gregos qualificam de anquinoia, e o dom de gentes, da prazerosa
civilidade do seu trato com as pessoas..

A política requer coragem, que é uma "virtude forte" necessária para o
ofício de governar e vai além das virtudes requeridas para lidar com
as necessidades da vida e as exigências da profissão. É o sentimento
de suas próprias forças, como a define Montesquieu. É saber manter a
dignidade sob pressão, nas palavras de Hemingway, no confronto com o
perigo e as dificuldades. Coragem, nos precisos termos das definições
acima mencionadas, nunca faltou a FHC, como posso testemunhar ao tê-lo
visto enfrentar seja a aposentadoria compulsória na USP por obra do
arbítrio do regime militar e o bafo da repressão nos momentos iniciais
do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), seja, em
outro plano, no exercício da Presidência, a desestabilizadora crise do
câmbio de 1999, que pôs em risco o Plano Real. Teve, para dar outro
exemplo, a coragem de assumir o Ministério da Fazenda, no governo
Itamar Franco, para enfrentar o imenso desafio de debelar anos de uma
inflação desenfreada e corrosiva. A coragem também passa pela firmeza
de lidar com temas controvertidos e se contrapor ao seu grupo político
e à tendência majoritária da opinião pública. É a nota do seu empenho
atual na discussão do problema das drogas, que mostra que os anos não
enfraqueceram a sua vocação de combate.

O juízo político é a capacidade de perceber as características que
singularizam um contexto. Beneficia-se da visão geral que o
conhecimento oferece, mas requer a competência para identificar, numa
dada realidade, as particularidades do que pode ou não resultar. FHC,
na sua trajetória, foi capaz de olhar o distante e observar o perto,
nas palavras de Goethe. Desse modo, como intelectual apto a se
orientar na História, sempre teve visão global para entender o
conjunto das coisas no Brasil e no mundo e, por obra da qualidade do
seu juízo político, a sensibilidade para captar o espaço do potencial
das conjunturas com que se confrontou. Pôde, assim, exercer, para
falar com Albert Hirschman, a sua íntegra "paixão pelo possível".

Assegurou, na sua Presidência, republicanamente, a governabilidade
democrática de um país complexo como o Brasil, por meio de uma
liderança aparelhada por um superior juízo político que soube dosar
harmonização com inovação e transformação. Logrou, desse modo,
orientar o País a partir do Estado e mudar a sociedade brasileira,
pois guiado pelo seu sentido de direção construiu um novo patamar de
possibilidades para o nosso país.

FHC transformou a sociedade brasileira com o Plano Real, que, com a
estabilidade da moeda, assegurou a previsibilidade social das
expectativas e promoveu a redistribuição de renda. Impôs racionalidade
administrativa com a legislação da responsabilidade fiscal e as
privatizações. Garantiu a solidez do sistema bancário com o Proer.
Inaugurou o novo alcance das redes de proteção social com o
Bolsa-Escola. Empenhou-se na institucionalização da democracia, no
fortalecimento da cidadania e na valorização dos direitos humanos. Deu
destaque à agenda ambiental. Elevou, com as suas realizações e sua
presença pessoal, o alcance do papel do Brasil no mundo. Em síntese, o
seu legado é o de um grande homem público que promoveu a ampliação do
poder de controle da sociedade brasileira sobre o seu destino, de que
se vem beneficiando, de maneira duradoura, o nosso país.

Celebrar o seu aniversário é uma oportunidade de celebrar a sua obra e
a sua pessoa e, no meu caso, de afirmar que é um privilégio fruir a
sua convivência e, assim, saudar, com amizade e admiração, os seus
jovens, sábios e democraticamente bem-humorados 80 anos.

PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA
BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, FOI
MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NO GOVERNO FHC

Além do básico MIRIAM LEITÃO

O GLOBO 19/06/11
O Brasil já fez o básico: pôs todas as crianças na escola, reduziu a
mortalidade infantil, criou um sistema universal de saúde, incluiu
trabalhadores rurais na Previdência e está enfrentado a violência.
Avançamos, mas o economista Edmar Bacha e o sociólogo Simon
Schwarstzman dizem que agora começa o complexo, que vai exigir do País
aprender a pensar de outra forma.

Brasil: A Nova Agenda Social é o nome de um livro organizado pelos
dois. É resultado de um ano de trabalho e três seminários com 15
especialistas do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e do
Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças. Em
qualquer área, há assuntos difíceis para os quais o País tem de
encontrar soluções, olhando experiências que deram certo em outros
países.

A Constituição de 1988 estabeleceu que a "saúde é um direito de todos
e um dever do Estado". Dito assim, parece que o País tem serviço
universal, integral, igualitário. Não tem. "Há uma contradição entre a
promessa da Constituição e a realidade. Os 25% de renda mais alta têm
plano de saúde que usam para procedimentos normais. O SUS é dos
pobres, exceto quando os ricos precisam dele para as emergências e os
tratamentos e exames de alta complexidade", diz Bacha.

No livro constata-se que o SUS gasta mais com os mais ricos do que com
os 30% mais pobres do País. Há outra complicação que está agravando o
problema, segundo Simon Schwartzman: "Está havendo um processo de
judicialização.

Como a Constituição estabelece que o direito à saúde é completo e
integral, se alguém for à Justiça com um bom advogado consegue, por
exemplo, que o Estado pague seu medicamento. Tem crescido muito. São
novas obrigações que recaem sobre o sistema, pela via judicial,
desorganizando a capacidade de atendimento. A mesma coisa com exames
complexos e caros. O sistema tem o princípio da equidade e uma prática
desigual."

Todos os temas são complexos, diz Bacha. Os planos de saúde deveriam
em tese pagar por esses serviços mais caros, mas dizem que com tabela
SUS não dá para trabalhar. Daqui para diante, alerta Simon, os
serviços ficarão mais caros pela sofisticação natural dos avanços da
medicina e porque a população ficará mais velha. "Nada disso está
sendo devidamente estudado. Há problemas de gestão, integração entre
planos de saúde e o SUS. Propor só aumento do gasto com Saúde é
começar pelo final", afirma Bacha.

Conversei com os dois no programa Espaço Aberto, da Globonews. O
curioso é que apesar de ser discussão sobre agenda social, há mais
economistas do que sociólogos na lista dos autores dos estudos no
livro. Simon acha que os economistas são bem vindos ao debate e
lamenta que existam poucos sociólogos debatendo os assuntos. Bacha diz
que é natural o interesse dos economistas: "Esses gastos dos quais
falamos representam 25% do PIB. Compare com o tempo que os economistas
dedicam aos estudos sobre indústria, que é 12% do PIB."

Pela complexidade dos problemas nessa etapa do desenvolvimento do País
fica claro que é preciso mais cabeças pensantes para se encontrar as
soluções viáveis.

No combate à violência, Simon levanta tese polêmica: de que as Forças
Armadas deveriam repensar seu papel diante das mudanças que ocorreram
nas áreas internacional e interna. Acha que elas deveriam pensar em
sua presença nos problemas internos de forma mais permanente: "É uma
discussão complicada e difícil. O entendimento de todos é que a
presença dos militares é temporária. Mas as Forças Armadas deveriam
discutir um papel de mais longo prazo e mais permanente na segurança
interna. A ideia de uma atuação só externa é antiquada, dada a
situação interna e internacional."

Bacha lembra que nos grandes centros como no Rio entende-se que a
presença dos militares na segurança é incidental, como houve na
ocupação do Complexo do Alemão. Mas os desafios maiores hoje estão nas
cidades do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, onde a autoridade não tem
estrutura para enfrentar os problemas.

Na Previdência, o Brasil tem números que mostram de forma eloquente
que alguma coisa está errada. "Temos 10% da população com mais de 60
anos e gastamos 11% do PIB com a Previdência, o mesmo nível de países
que tem 30% de pessoas nessa faixa etária. Pela juventude da nossa
população o País deveria estar gastando 4,5%", diz Bacha.

Apesar disso, lembra Simon, no Brasil não há idade mínima de
aposentadoria e as mulheres têm a vantagem de cinco anos a menos na
contagem do tempo, apesar de viverem em média sete anos a mais. Nos
outros países essa diferença já acabou e está se elevando a idade
mínima.

Na educação está tudo por ser feito. O que o Brasil fez até hoje foi
universalizar o ensino fundamental. Agora há um enorme dever de casa.

"Saber como gerenciar a escola para que o resultado que se busca seja
seu principal objetivo que é educar; dar formação adequada para
professores; organizar disciplinas; procurar experiências de outros
países. Não há solução fácil. Antes era colocar a criança na escola;
construir escola e chamar professor. Agora é desenvolver
inteligências", afirma Simon.

Feito o básico nas políticas sociais, agora é a hora da qualidade. É
bem mais difícil, mas uma agenda inevitável. (Com Álvaro G
ribel)

Aos 80, FHC se reinventa Fernando de Barros e Silva

Folha de S Paulo
O provocador cordial
RESUMO
Fernando Henrique Cardoso encontra no ativismo pela descriminalização da maconha uma forma de restituir a articulação entre atuação intelectual e carreira política. Ao buscar um arremate progressista para vida e obra, o ex-presidente delineia seu perfil entre "temperamento conciliador" e "pensamento conflitivo".

FERNANDO HENRIQUE Cardoso entra na sala de seu apartamento, no bairro paulistano de Higienópolis, cinco minutos depois do horário combinado. Gentil e suave, pede desculpas e explica que estava se despedindo do filho, que havia dormido lá.
Desde que Ruth Cardoso morreu, em 24 de junho de 2008, há três anos, FHC mora sozinho. Não mudou nada no lugar. Os filhos do casal (Luciana e Beatriz, além de Paulo Henrique) o visitam com frequência, vez ou outra dormem lá.
Fazia sol e frio na última terça pela manhã, quando ex-presidente recebeu a Folha para duas horas de conversa. Vestia suéter marrom-claro e calça de lã cinza. Carregava dois celulares, que deixou a seu lado, numa mesinha. Quando ambos tocaram, ao longo da entrevista, ele desligou sem atender.
Logo de saída, disse que nunca deu bola para o próprio aniversário, mas que achou muito simpático o jantar na sexta-feira anterior, na Sala São Paulo, quando 400 convidados -entre políticos, empresários, banqueiros, ex-ministros, intelectuais, jornalistas e amigos- comemoraram os seus 80 anos. Comemoração antecipada -FHC é de 18 de junho de 1931, desde ontem um jovem octogenário.
O ex-presidente comentou que só não aproveitou inteiramente a homenagem porque está com diverticulite -uma inflamação no intestino. Não pode beber álcool e tem restrições alimentares. Foi medicado, tudo sob controle, diz, lembrando que foi essa a doença que desencadeou a morte de Tancredo Neves, em 1985. (Tancredo, na verdade, tinha um tumor benigno e morreu de septicemia -infecção generalizada- depois de ser operado, conforme a Folha revelou na época.)


FENÔMENO
Na Sala São Paulo -uma espécie de Versalhes do tucanato, como alguém definiu -, no meio de tanta gente da elite paulista e seus agregados, quem causou frisson foi Ronaldo Fenômeno. Acompanhado pela mulher, Bia Anthony, passou não mais do que meia hora no salão -o suficiente para ser assediado por vários convidados. Vicky Safra, a mulher do banqueiro Joseph Safra, foi lá pedir um autógrafo ao ex-jogador. E a mulher do crítico literário Roberto Schwarz, Grecia, saiu correndo até a porta para tirar uma foto ao lado do ídolo quando ele já estava indo embora.
Ali, Ronaldo destoava e brilhava à sua revelia. "Ele é um cara muito agradável, muito afetivo. Mas não é populista. Não gosta desse oba-oba", diz FHC sobre o Fenômeno. E completou: "A mulher dele ajuda muito também -é interessante, simpática, inteligente."
O tucano ficou amigo do craque aposentado há pouco tempo, quando este ainda atuava pelo Corinthians. Visitam-se e até jogaram pôquer juntos, mas FHC diz que a mesa do Fenômeno não é para o seu bico. "Eu disse a ele: 'Está maluco?! Eu aposto R$ 10, vocês são milionários!'"
O ex-presidente diz "jogar um poquerzinho com os amigos de vez em quando". O historiador Boris Fausto e o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, seus amigos de juventude, sempre participam da mesa, entre outros convidados. Brincalhão e gozador, FHC costuma desafiar os demais dizendo saber o jogo que cada um tem nas mãos. Não deixa de ser uma espécie de blefe ao contrário.
Intelectualmente, FHC também foi sempre um provocador. Intuiu cedo que o jogo da esquerda, da qual fazia parte (e da qual ainda se julga parte), era uma espécie de blefe. O tempo mostra que ele mais acertou do que errou conforme foi publicando as obras que o projetaram a partir dos anos 60.
CONFLITIVO
Quase no fim da entrevista, FHC se definiu como uma pessoa "de temperamento conciliador e pensamento conflitivo". A imagem é precisa para sintetizar sua atuação como político e sua força como sociólogo.
Entre um e outro, a relação é mais complementar do que se imagina. De certa forma, o político FHC "realizou" o que o intelectual escreveu -muito mais, por exemplo, do que Lula cumpriu o que falava até chegar à Presidência.
É irônico, também por isso, que FHC carregue como um estigma o "esqueçam o que escrevi". Teria dito isso num almoço com empresários, em 1993, quando era ministro da Fazenda, de acordo com o relato de terceiros. Grudou nele como símbolo do político que traiu o intelectual, apesar de FHC repetir que a frase não existiu ("nunca ninguém afirmou que tenha ouvido essa frase; é maldade pura").
Pelo contrário, FHC não esconde o orgulho que tem da sua obra de juventude. Em termos teóricos, ele na verdade mudou muito pouco, justamente porque sempre foi muito pouco dogmático.
OPOSIÇÃO
Sua mais recente intervenção como ideólogo do PSDB saiu pela culatra. Num texto chamado "O Papel da Oposição", publicado em abril na revista "Interesse Nacional", FHC escreveu que "enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os movimentos sociais ou o povão, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos".
O uso infeliz da expressão "povão" fez o mundo desabar sobre sua cabeça e interditou o debate. Para além do ato falho, no entanto, o texto identifica uma brecha de atuação para o PSDB na emergência de uma grande classe média que não se identifica com o PT de forma automática e tem demandas de consumo e cultura novas.
O jornalista pergunta: para cumprir esse papel o PSDB não teria que caminhar para a direita? Mais ainda, o PSDB não estaria condenado a ser o contraponto conservador do PT, uma espécie de Partido Republicano brasileiro?
FHC dá um jeito de dizer educadamente que as questões são equivocadas. E explica, começando por Marx: "O pressuposto de que, por definição, os mais pobres são os mais progressistas não é marxista. Marx dizia que eram os trabalhadores e os intelectuais que fariam a revolução, não os miseráveis. Ninguém está mais pensando em revolução hoje".
E prossegue: "O pressuposto de que olhar para as classes emergentes te empurra para a direita não tem sustentação. A direita pode estar em outro lugar. Inclusive entre os mais pobres. Eu não escrevi aquele texto pensando em ideologia. Escrevi pensando na desconexão atual entre a sociedade e as instituições políticas. Como essa é uma sociedade com muita mobilidade, tem gente, ou muita gente, sem conexão."
E conclui: "O Estado pode prender os mais pobres, pelo clientelismo. Como nós, do PSDB, não temos o Estado nas mãos, é mais difícil mexer nessas camadas. Mas tem muita gente que não está amarrada". Os tucanos, então, não devem ser os republicanos ao sul do Equador?
FHC rebate: "Não concordo com aqueles que fazem analogia entre o PT e o Partido Democrata e o PSDB e os republicanos. Somos muito diferentes dos americanos. Os republicanos são conservadores e se assumem como tal. Há uma massa da população que quer ser conservadora. No Brasil, não tem isso. Quem for por aí está perdido. Não tem nem o pensamento, nem pessoas com essa predisposição. Você vai ter, isso sim, alianças entre setores que são dinâmicos e modernizadores. O agronegócio no Centro-Oeste e as camadas médias, por exemplo. Mas por que chamar isso de conservador, se é dinâmico e modernizador?"
"Não estou dizendo que não existam conflitos de classe aí. Mas é diferente do Partido Republicano. Ele é reacionário, é ideológico. No limite, é a favor da pena de morte. Aqui não tem essa coerência. Talvez essa sociedade que está se abrindo não possa mais ser descrita pelas categorias com as quais nós a pensamos no passado. O PFL [atual Democratas] poderia ser um partido liberal. Mas não é. Veja o prefeito de São Paulo, criou outro partido. É liberal? Não é nada. Os liberais brasileiros sempre foram estatizantes. São do Estado, clientelistas."
SOCIÓLOGO
Essas respostas explicitam um modo de pensar que remete ao sociólogo dos anos 60.
Primeiro, observar a realidade -o que parece óbvio, mas não é. Segundo, não usar categorias -sejam conceitos ou situações históricas- sem submetê-las ao crivo da realidade que se quer explicar.
O primeiro grande livro de FHC é "Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional", sua tese de doutorado, de 1962. Tratava-se de entender, a partir do estudo da economia do charque, no Rio Grande do Sul, a complicada e aberrante convivência entre estes dois termos -capitalismo e escravidão. Quais são os nexos entre eles?
"A escravidão não poderia ser explicada sem referência à expansão do grande capitalismo", disse FHC à Folha, numa entrevista de 1996. "Mas a história do Brasil não é uma cópia do que está acontecendo na Europa. Há uma singularidade. Ao mesmo tempo, ela não tem leis próprias: é derivada, subordinada, dependente. Do ponto de vista teórico, era o mesmo mecanismo que usei depois para discutir a dependência."
DEPENDÊNCIA
No mesmo ano, FHC começou a estudar o empresariado brasileiro. Em 1962, o mundo vivia o auge da Guerra Fria, polarizado em dois blocos, e os intelectuais da América Latina estavam sob forte impacto do êxito da Revolução Cubana.
O socialismo mais do que nunca fazia parte do horizonte histórico. A posição dominante na esquerda, encampada pelo Partido Comunista, rezava que, para atingir o reino sonhado, as nações periféricas precisavam antes fazer a sua revolução democrático-burguesa, a fim de derrotar as forças do atraso.
Entendia-se por isso a associação entre imperialismo e elites latifundiárias, que bloqueava a chegada do progresso -ou, como se dizia, o "desenvolvimento das forças produtivas". A burguesia nacional era, portanto, aliada estratégica dos trabalhadores.
Quando publicou "Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil" (1964), Fernando Henrique mostrou que, no mundo real, as coisas vinham funcionando de maneira bem diferente. A burguesia nacional já estava ligada ao imperialismo, "satisfeita com a condição de sócia menor do capitalismo ocidental". Os pressupostos teóricos da esquerda eram fantasiosos.
CATASTROFISMO
FHC passava a ser o grande adversário das teses catastrofistas em voga na época, segundo as quais países como o Brasil estavam condenados à estagnação e só teriam chances de se desenvolver fora dos marcos do capitalismo. Sociólogos como o americano André Gunder Frank e os brasileiros Theotonio dos Santos e Rui Mauro Marini, conhecidos como "dependentistas de esquerda" -hoje caídos no esquecimento-, partilhavam dessas ideias com razoável sucesso.
Em contraponto a eles, o livro que consagrou a teoria da dependência na versão fernandina seria um desdobramento das análises do "Empresário Industrial".
Lançado em 1967, no Chile, em parceria com o argentino Enzo Faletto, "Dependência e Desenvolvimento na América Latina" reconhecia que a economia brasileira se industrializava e que não havia estagnação, apesar da inserção dependente do país na ordem global. Dizia ainda que essa dependência só poderia ser bem compreendida com a especificação histórica dos conflitos políticos internos de cada país e da sua relação com a política e a economia internacionais.
PRESIDENTE
Faz sentido que a chegada à Presidência, em 1994, tenha sido vista como uma janela de oportunidade para o país adequar seu desenvolvimento -na verdade, retomá-lo depois da falência do nacional-desenvolvimentismo- à nova ordem mundial.
Na ocasião, o cientista político José Luís Fiori chegou a publicar, durante a campanha eleitoral, um ensaio no caderno Mais! que ficou célebre. Chamava-se "Os Moedeiros Falsos", em referência ao romance de André Gide, do qual tirou a epígrafe: "Afinal, é preciso admitir, meu caro, que há pessoas que sentem necessidade de agir contra seus próprios interesses".
Fiori dizia que FHC "resolveu acompanhar a posição de seu velho objeto de estudo, o empresariado brasileiro, e assumiu como fato irrecusável as atuais relações de poder e dependência internacionais. Deixou seu idealismo reformista e ficou com seu realismo analítico para propor-se como 'condottiere' da sua burguesia industrial, capaz de reconduzi-la a seu destino manifesto de sócia-menor e dependente do mesmo capitalismo associado, renovado pela terceira revolução tecnológica e pela globalização financeira". Esqueçam o que escrevi? Nunca! Exatamente o contrário.
Para FHC, em geral, os intelectuais têm dificuldades de compreender a política pois sofrem de deficit de realidade. Alguém de boa-fé negaria que o país que o tucano entregou a Lula era bem melhor do que o recebido por ele? "A maior injustiça que fazem comigo é me chamar de neoliberal. O que fiz foi reestruturar o Estado", diz.
O ex-presidente vê seu governo como parte de um processo de avanços que começa na década de 1980. No resumo de FHC, os passos fundamentais da história recente do Brasil foram os seguintes: primeiro, o movimento que vai das Diretas-Já à Constituinte. A Constituição desenhou o arcabouço social do Brasil contemporâneo.
O segundo passo foi dado com Fernando Collor: "Abriu a economia, atabalhoadamente, mas abriu". O terceiro passo foi a estabilização da moeda. O quarto, a reforma patrimonial do Estado. O quinto são as políticas sociais. "Isso é a história do Brasil recente. Esses são os pontos importantes. E há continuidade nisso, da Constituição para cá", sustenta.
CEBRAP
Entre a teoria da dependência e o Real, muita coisa aconteceu. Em 1969, cassado na USP, FHC fundou com outros professores o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), que iria se tornar, nos anos 70 e 80, o principal centro de estudos de corte progressista do país, além de celeiro de quadros intelectuais absorvidos por governos democráticos, a começar pelo de Franco Montoro em São Paulo, em 1982.
Participou da formulação da anticandidatura presidencial de Ulysses Guimarães, em 1973, e projetou-se como liderança da sociedade civil nascente que pressionava pelo fim do regime militar.
Em 1975, publicou "Autoritarismo e Democratização", aproximando-se como intelectual do assunto que pautaria a década. Suplente de senador em 1978, assumiu o mandato em 1983, quando Montoro se elegeu governador. Derrotado por Jânio Quadros na disputa pela Prefeitura de São Paulo em 1985 -seu pior revés político-, foi senador até 1992. Fundou o PSDB em 1988 e foi chanceler de Itamar Franco por poucos meses, até assumir a Fazenda em 1993 e entrar para a história.
Apesar da trajetória incomum e brilhante, FHC diz ter sido "um presidente acidental". O cargo -ele tenta convencer o interlocutor- nunca o obcecou.
Talvez com isso queira marcar um contraponto entre o seu jeito maleável de lidar com a política e os acasos da existência e a ideia fixa de uma vida inteira, encarnada por seu amigo José Serra. "Eu não sou um político tradicional, não vivo da política. E talvez nem para a política, na acepção weberiana, da vocação. O lado intelectual é forte em mim. O lado provocador, de arriscar, de flertar com posições de vanguarda." MACONHA Fernando Henrique vem desempenhando de um ano para cá um papel que não é nem o do intelectual, nem o do político, embora ambos nele convivam. Aos 80, adotou a causa da descriminalização da maconha e se tornou uma espécie de ativista global, pesquisando e discorrendo sobre o assunto mundo afora. O protagonismo no documentário recém-lançado "Quebrando o Tabu", do diretor Fernando Grostein Andrade, deu a FHC uma nova notoriedade. Na prática, ele passou a se dirigir a uma geração que hoje tem 18 anos e estava nascendo ou engatinhava quando ele se elegeu presidente.
O engajamento de FHC nessa questão parece funcionar como um arremate progressista em sua biografia, em sintonia com o lugar que ele sempre quis ocupar.
"É um tema mais fácil para um político fora do jogo eleitoral, como eu, que nem político no sentido convencional sou", diz. Para ele, seu partido, o PSDB, por ora deve ficar fora da discussão, para não atrapalhar: "As pessoas reclamam, dizem 'ah, o PSDB não está dando apoio', mas é melhor que não se meta. Se for se meter, vai se meter com o preconceito. Quando na sociedade houver uma coisa mais clara, opções reais, aí os políticos entram". Ele acredita que a sociedade brasileira, conservadora nessa matéria, ainda não está madura para influenciar os políticos, e os políticos não vão na vanguarda. Esses, ele diz, entusiasmado, são "temas de vanguarda", que "têm conexão" com a vida real.
"Anda comigo na rua para você ver se não tem", provoca, quase brincando, depois de dizer que outro dia o porteiro de um prédio vizinho o abordou para elogiar sua posição.
SOCIALISTA
Já é meio-dia e o jornalista pergunta se FHC algum dia foi, de fato, socialista. A resposta vem assim:
"Nunca fui militante no sentido estrito. Eu era estudioso. Na altura do seminário do Marx [entre os anos 50 e 60], ninguém era ligado a partido. E nunca me entusiasmei com a luta armada. Mas até hoje eu acho o sistema capitalista extremamente difícil de tragar. Pessoalmente, não aceito desigualdades. Tenho horror a prerrogativas."
E exemplifica: "A mim me constrange, por exemplo, não entrar numa fila. Eu primeiro vou para a fila.
Depois alguém pode me tirar, mas eu vou. No instituto, eu fico na fila para entrar no elevador. Não suporto 'entourage'. Ao contrário do que muita gente pensa, meu ser não é afim com esse sistema. Sou mais igualitário, como sentimento. Agora, sou realista."
De certa forma, o político FHC "realizou" o que o intelectual Fernando Henrique escreveu -muito mais, por exemplo, do que Lula cumpriu o que falava até chegar à Presidência
"O pressuposto de que olhar para as classes emergentes te empurra para a direita não tem sustentação. A direita pode estar em outro lugar. Inclusive entre os mais pobres."
"As pessoas reclamam, dizem 'ah, o PSDB não está dando apoio' [à descriminalização da maconha], mas é melhor que não se meta. Se for se meter, vai se meter com o preconceito."
FONTE ILUSTRÍSSIMA/FOLHA DE S. PAULO
"E, lembre-se, quando se tem uma concentração de poder em poucas mãos, freqüentemente homens com mentalidade de gangsters detêm o controle. A história provou isso. Todo o poder corrompe: o poder absoluto corrompe absolutamente.”
(Lord Acton).

Pensamento

  • Pensamento

    "A mente é um fogo a ser aceso , não um vaso a preencher". Plutarco (45 - 120), autor do valioso "Como Tirar Proveito de Seus Inimigos ".

Sete mitos e mentiras sobre a legalização das drogas

Se todos os crimes fossem legalizados, no dia seguinte a criminalidade formal estaria extinta, mas os efeitos maléficos do crime na sociedade não só continuariam a existir, como, muito provavelmente, subiriam a níveis estratosféricos.
1- A legalização das drogas acabará com o comércio ilegal de drogas.

É estúpido achar que um "comerciante" que já é competitivo em um mercado sem regras não o seria em um mercado regulado. Com o mercado legalizado e regulado, muito provavelmente o comercio legal teria vários limites e padrões impostos por órgãos da burocracia governamental, e a "droga legal" seria muito mais cara do que a ilegal, da mesma forma como o tênis vendido em loja é muito mais caro do que o pirata vendido em camelô.

Além do mais, por que um viciado em maconha que quer comprar 100 gramas de fumo não compraria 10 gramas na farmácia e os outros 90 na boca de fumo ilegal? Por que um viciado em cocaína que quer comprar cinco gramas de pó não iria comprar dois gramas na farmácia e o resto na "boca"?

Por que um viciado sem dinheiro para pagar a dose vendida legalmente não iria na "boca" comprar a droga mais barata, sem impostos e mesmo fora dos padrões de qualidade?


Na prática, um traficante que hoje está 100% ilegal no seu negócio, se ele for esperto, vai montar outro negócio 100% legal e vai continuar mantendo o seu atual que não depende de autorizações legais e nem de coisa nenhuma além da demanda. Por que faturar em uma ponta se pode faturar em duas e ainda usar os benefícios e facilidades dos novos fornecedores legais para melhorar a minha logística, diminuir o risco, e etc.?

2 - A legalização das drogas vai acabar com a receita financeira dos traficantes.
Ora, se o comércio legal de medicamentos, roupas, CDs, cigarros, programas de computadores e etc., não acabou com a receita financeira dos contrabandistas e do mercado negro, porque alguém pode achar que a legalização das drogas vai acabar com a receita financeira do trafico?

Mais uma vez não existe nenhuma lógica que sustente a afirmação.

3 - A legalização das drogas vai diminuir a criminalidade.
Certamente o numero de prisões por uso cairão, mas, e as ocorrências motivadas por perturbação mental dos viciados: brigas, confusões e etc.?

E as ocorrências motivadas pela miséria provocada pelo vício que torna muitas pessoas inúteis para o trabalho e para a vida econômica?


Ora, na prática, se todos os crimes fossem legalizados, no dia seguinte a criminalidade formal estaria extinta, mas os efeitos maléficos do crime na sociedade não só continuariam a existir, como, muito provavelmente, subiriam a níveis estratosféricos e a sociedade civilizada seria catapultada para a selvageria em poucos dias. Qual imbecil seria capaz de defender esse tipo de coisa?

4 - A legalização das drogas vai melhorar a qualidade do "produto".
Bem, sem dúvida, em alguma medida isso vai acontecer, primeiro porque teremos uma produção em maior escala, formalizada, e regras tanto para essa nova produção como para a nova comercialização. É certo que haverá uma melhora na qualidade, tanto no comércio legal, como no paralelo, e este último certamente encontrará uma forma de se alimentar de novos fornecedores. Só que "qualidade" e preço, de modo geral, sempre andam de mãos dadas, como, aliás, já é hoje no comércio ilegal, no qual os traficantes de primeira linha atendem os endinheirados do "jet set" vendendo "produtos" melhores do que as "bocas" de favela que buscam atender a pessoas de menor poder aquisitivo.
5 - A legalização das drogas não irá aumentar o numero de viciados.
Em que pese os números de outros países onde a legalização foi experimentada desmentirem essa afirmação, ainda existe o lado lógico da coisa.
De acordo com a FEBRAFAR, no Brasil existem 3,34 farmácias para cada 10 mil habitantes, e isso significa que numa cidade como o Rio de Janeiro existem cerca de 2100 farmácias. Supondo que as drogas legais só possam ser comercializadas em farmácias, o novo número de pontos de venda das drogas hoje ilegais seria os das "bocas" já existentes somado a 2100. Qualquer comerciante sabe que quanto mais pontos de venda, maior é a chance de se vender mais, da mesma forma que se você estiver preso numa floresta onde vivem 50 leões você terá mais chance de viver do que se a mesma tiver 300 feras.
6 - A legalização vai cobrar impostos que serão aplicados na sociedade, saúde e educação.
É um fato que a parcela de impostos que são revertidos ao beneficio da sociedade está longe de ser igual ao que é arrecadado, e a prova disso disto está na qualidade das escolas públicas, do atendimento dos hospitais, do judiciário e em qualquer outro serviço público existente no Brasil e em qualquer outro país. No caso específico, supondo que a resultante da soma entre receita de impostos com drogas menos o aumento de custos de controle do comércio, mais o aumento de custos com segurança, mais o aumento de custos com saúde publica seja um número positivo, a maior parte dele vai ficar mesmo é na maquina publica, como já fica a maior parte dos impostos que pagamos hoje. Os grandes beneficiados com isso serão, como sempre, os políticos e aqueles que se locupletam da maquina estatal, não a sociedade.
7 - A legalização das drogas vai acabar ou reduzir o armamento dos bandidos.
Bandidos se armam para defender seu território e sua riqueza de outros bandidos e da polícia, e ao mesmo tempo, para praticar ações criminosas contra os menos armados ou desarmados (roubos, sequestros, venda de segurança, etc). A quantidade de armas em poder dos criminosos cresce ou diminui em função da quantidade de criminosos existentes, e não em função da legalização de crimes ou da proibição de comércio ou posse de armas. Caso contrário, seria lógico imaginar que em um cenário onde todos os crimes fossem legalizados não existiriam armas, coisa que é na verdade um absurdo.

sábado, 18 de junho de 2011

FHC, o presidente mais importante da história do Brasil, faz 80 anos hoje

Uma Homenagem. De Reinaldo Azevedo

O Brasil teve dois presidentes da República realmente fundamentais para a sua história: Getúlio Vargas e Fernando Henrique Cardoso. O primeiro descobriu o poder do estado na definição dos rumos de um país; o segundo, o poder da sociedade. Essas coisas não são um campeonato, mas, se eu tivesse de escolher, é evidente que ficaria com FHC. Com ele, não só o Brasil criou os marcos fundamentais para ocupar um lugar de destaque entre as economias emergentes como viu avançar o controle democrático do poder e do estado.
Na sexta-feira, dia 10, estive na Sala São Paulo, na festa que comemorou os seus 80 anos. FHC está de bem com a vida, feliz, ciente do seu legado e atento aos desafios presentes, com a lucidez de sempre. Fez uma brevíssima saudação aos convidados, exaltando, uma vez mais, a tolerância, a civilidade e a alegria de viver. Tendo prestado um enorme serviço aos brasileiros e ao Brasil, ele nos lembra que podemos, sim, ter um bom futuro.
Curiosamente, ou até por isto, o mais importante presidente da nossa história sofreu um tentativa de desconstrução inédita, com uma virulência como jamais se viu. Nem mesmo a ditadura avançou contra a herança do regime deposto pela “revolução” com a violência retórica com que Luiz Inácio Lula da Silva atacou o seu antecessor — nada menos do que o líder que havia posto fim ao ciclo da superinflação, que havia estabelecido os fundamentos do equilíbrio macroeconômico, que havia vencido alguns entraves históricos ao desenvolvimento. Não só isso: criou e consolidou as bases dos programas sociais no país, que, bem…, o Lula de oposição, ele sim!, chamava de “esmola”, o que está documentado em vídeo. O Apedeuta referia-se aos programas reunidos no Bolsa Família.
Oito anos de ataques implacáveis, sustentados pela mais poderosa máquina de propaganda jamais montada no país! Lula contou, ainda, com o auxílio pressuroso de setores da imprensa e do colunismo adesista, que se referiam — e alguns o fazem até agora — à “privataria” da era tucana, à “ruína” do governo FHC, ao “neoliberalismo” e a fantasias várias para tentar minimizar o papel definidor que o “homem do Real” teve na história do país.
Até ontem à noite, que se soubesse, Lula ainda não havia dado os parabéns àquele que tem a pretensão de ter como rival. Talvez não o faça. O misto de arrogância e insegurança intelectual do petista o impede de reconhecer a obra alheia, a grandeza alheia e até a gentileza alheia. Só conhece a prepotência e a subserviência. Não podendo se impor ao antecessor sob qualquer critério que se queira, então se sente diminuído — e, por essa razão, ataca.
Lula e o PT precisavam criar a farsa da ruptura com o passado para que seu projeto ganhasse identidade. Em certa medida e por um bom tempo, foram bem-sucedidos, ficando para a história o papel de fazer justiça a FHC, o que, de certo modo, já começou a acontecer, mas não sem revelar, contraditoriamente, um traço de morbidez do processo político brasileiro. Explico daqui a pouquinho.
Qualquer reconstituição minimamente honesta da história do país dos últimos 16 anos há de distinguir o homem que quebrou paradigmas e fundou a novidade daquele que teve, sim, o mérito de não tentar surfar contra a onda; há de distinguir o reformador fundamental do estado daquele que o submeteu, em muitos aspectos, a uma involução; há de distinguir o que atuou de olho no futuro daquele que buscou reescrever o passado. FHC sabe que lugar há de lhe reservar a história. E Lula também. E só por isso o tucano é capaz de reconhecer méritos no governo do petista, mas o petista jamais será capaz de reconhecer méritos no governo do tucano.
Em entrevista ao Correio Braziliense, FHC especulou, com algum humor, que Lula talvez tenha algum “problema psicológico” com ele. Tem, sim!, e já escrevi a respeito. Uma história sentimental do petista vai revelar o homem que se construiu eliminando os que o antecederam.
No sindicato, destruiu a velha-guarda na qual se ancorou para subir; no movimento sindical nacional, esmagou antigas lideranças para se tornar o grande líder; na esquerda, tratou com menosprezo ícones do pré-64, como Leonel Brizola (que o chamava de “sapo barbudo”) e Miguel Arraes; no próprio PT, desmoralizou todos aqueles que, ainda que minimamente, ousaram desafiá-lo. Não por acaso, no filme hagiográfico “O Filho do Brasil”, permitiu que o “pai” — refiro-me à entidade freudiana — fosse morto uma vez mais. Lula só sabe existir destruindo. Sua identidade estava, em sua cabeça ao menos, em ser um anti-FHC. De maneira escancarada, sempre fez questão de opor a sua ignorância à sabedoria do outro, destacando que ignorância é força. O esforço, no entanto, e já há sinais evidentes disso, vai se revelando inútil. À medida que o tempo passa, a obra de FHC se agiganta.
Estado mórbido
Aqui e ai já se começa a fazer justiça a FHC — de modo mais acentuado depois que a presidente Dilma Rousseff destacou o papel do tucano na estabilidade econômica e seu espírito democrático.  Pois é… A mensagem da presidente parece ter, sei lá, destravado as consciências ou, ao menos, liberado setores da imprensa para reconhecer o óbvio. “Se até Dilma está dizendo, então deve ser mesmo verdade…” A “PeTite aguda” é uma doença do espírito que subordina a inteligência a comandos puramente ideológicos, a despeito dos fatos. É um estado mórbido — e o principal sintoma desse mal é a falta de independência.
Mas deixemos essa gente pra lá. FHC faz 80 anos. Vida longa àquele que nos libertou da condenação ao atraso e soube enxergar, contra a metafísica então influente da política brasileira, que a chave dessa libertação estava em pôr mais sociedade no estado, em vez de mais estado na sociedade.
Parabéns, presidente Fernando Henrique Cardoso!
Por Reinaldo Azevedo

terça-feira, 14 de junho de 2011

Queima de arquivo

Queima de arquivo

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Aprendi de criança que não se deve levantar falso testemunho ou acusar sem prova, e que a honra alheia deve ser respeitada até incontestável evidência em contrário.
É uma regra que sempre sigo, independente de qualquer alinhamento político, seja com parceiros, seja com adversários. Trata-se de incontornável convicção moral.

Não agiria de modo diferente em relação ao ex-ministro Palocci no caso de seu súbito enriquecimento. No entanto, quando o ministro se demite porque não quer ou não pode esclarecer a excepcional atividade de sua empresa de consultoria, subitamente transformada numa administradora de imóveis, resulta impossível não extrair dos fatos algumas inevitáveis conclusões.


A primeira diz respeito a haver ele preferido trocar o cargo de ministro por um lugar no epicentro de nebuloso conjunto de suspeições. A diferença entre sigilo profissional ou segredo político é tão sutil que político algum deveria expor-se a uma situação dessas. E nenhuma empresa séria deveria correr o risco de integrar a lista de clientes de tal personagem em qualquer das hipóteses, seja como serviço profissional, seja como serviço político. Não é absolutamente abusivo, sob o ponto de vista moral, tratando-se de um deputado, de um ex-ministro da Fazenda e de um homem público que até anteontem ocupava a mais importante pasta do governo da União, supor que a silenciosa demissão de Palocci seja uma discretíssima queima de arquivo.


Surge, então, a segunda questão. A demissão de Palocci deixou no ar um cheiro de papel queimado. E sequer esse odor suscitou no Procurador-Geral da República aquilo que ele chama de “indício idôneo” a justificar uma investigação que, além do desfibrado Congresso Nacional, só ele poderia autorizar. Convenhamos, nem mesmo o PT quis abraçar a bronca que o dr. Roberto Gurgel, do alto de seu elevadíssimo cargo, matou no osso do peito.


E vem daí a terceira questão. A Constituição Federal criou certas encrencas sem solução razoável. Uma delas é a de que cabe à Presidência da República a atribuição de nomear o membro do MP que tem a prerrogativa exclusiva de investigar e denunciar as mais altas autoridades do governo. Entre elas o próprio presidente. Não se trata de servir a dois senhores, é claro. Mas por que – oh raios – eu não consigo pensar em analogia melhor?


A encrenca acima descrita trava o curso da Justiça, também, numa outra direção. Em casos de corrupção (e eu não estou afirmando que seja esse o caso em tela) os arquivamentos dos processos de investigação criam outro grupo de protegidos. Refiro-me aos agentes ativos do processo de corrupção. A proteção, ou a tolerância, ou o desinteresse em investigar protege, simetricamente, as empresas que possam estar no outro polo de uma relação suspeita.


A situação faz lembrar algo recorrente em nosso país. Muitas vezes, os corruptos se tornam conhecidos e enfrentam – impunes, é verdade – a rejeição social. Mas os corruptores, parte ativa na relação, são protegidos num verdadeiro sacrário onde ninguém entra. Por quê? Porque ninguém é bobo de matar a galinha dos ovos de ouro, ora essa.

Carta a um professor petista

por Percival Puggina em 13 de junho de 2011 Opinião - Brasil 

rês décadas neste mister de emitir opinião me habituaram a e-mails de aprovação e de reprovação. Pela primeira vez, no entanto, um leitor me escreve não para comentar determinado texto, mas para atacar "o conjunto da obra". Ele topou com algo que escrevi e acessou meu blog. Sentindo-se ferido em seus brios petistas, partiu para o ataque. Decidi responder-lhe através de um artigo. É o que segue. Primeiro diz ele e, em seguida, respondo eu.

Diz ele que meu único motivo ao escrever é avacalhar o PT e que atribuo ao PT e ao comunismo (que segundo ele "já não existe") todos os males do mundo.
 
Respondo eu. A lista dos adversários que combato, professor, é extensa. Eu aponto erros, critico e ironizo, entre outros, o PT, a Teologia da Libertação, a chamada Igreja Progressista, as práticas revolucionárias do MST e movimentos assemelhados, o relativismo moral, a deseducação sexual, a complacência com o crime, a corrupção, o péssimo modelo institucional brasileiro, o corporativismo nos menores e nos maiores escalões, a doutrinação política nas escolas, a perda da soberania nacional para as nações indígenas, a influência das ONGs estrangeiras nas políticas brasileiras, a estatização, a concentração de poderes e de recursos em Brasília, a carga tributária, a partidarização do Poder Judiciário, a destruição da instituição familiar, a gratuidade do ensino superior público para quem pode pagar por ele. Combato, mas não avacalho. Mas se os petistas enfiam todas essas carapuças, o que eu posso fazer, professor?
 
Por outro lado, o maior sucesso dos comunistas nunca foi alcançado no plano das realizações pretendidas ou prometidas, mas em fazer crer que não existia. Não se diga isso, contudo, para alguém que dezenas de vezes por ano é chamado pela mídia para debater com defensores do regime cubano, ou do regime de Chávez, ou do mito Guevara, muitos dos quais usando distintivos com foice e martelo, ou com estrelinhas vermelhas. Dizer-me que comunismo não existe vale tanto quanto bater pé insistindo que Papai Noel existe.
 
Diz ele que jamais reconheço qualquer mérito ao PT ao longo dos oito anos do governo Lula, que desprezo os 84% de brasileiros que lhe atribuíram conceitos de aprovação, que não levo em conta os milhões de egressos da miséria durante sua gestão e que os governos dos partidos que eu apoio jamais fizeram isso.
 
Respondo eu. Reconheço méritos no governo Lula, sim. Muito escrevi a respeito do principal desses méritos, que foi o de chutar para longe a maior parte das bobagens que cobrava e das propostas tolas e demagógicas com que se apresentou à sociedade durante duas décadas. No entanto, ao descartar aquela plataforma irresponsável, em vez de se desculpar perante a nação, Lula simplesmente afirmou que "a gente quando está na oposição faz muita bravata". Que vergonha, professor! Durante vinte anos o partido dele cresceu deformando a opinião pública e afirmando que o paraíso estava poucos passos além das bravatas com que acenava para buscar votos.
 
Felizmente, a despeito das duríssimas campanhas contra elas movidas por Lula e o seu partido, os governos anteriores ao do PT implantaram e deram continuidade a importantes políticas. A saber: a) o Plano Real, que os petistas chamavam de estelionato eleitoral; b) a Lei de Responsabilidade Fiscal, que chamavam de arrocho imposto pelo FMI; c) a abertura da economia brasileira, que chamavam de globalização neoliberal; d) o fim do protecionismo à indústria nacional, que chamavam de sucateamento do nosso parque produtivo; e) as privatizações, que chamavam de venda do nosso patrimônio; f) o cumprimento das obrigações com os credores internacionais, que chamavam de pagar a dívida com sangue do povo; g) a geração de superávit fiscal, que chamavam de guardar dinheiro para dar ao FMI; h) o Proer, que chamavam de dar dinheiro do povo para banqueiro; e i) o fortalecimento da agricultura empresarial, que queriam substituir por assentamentos do MST.
 
Em momento algum os governos anteriores ao de Lula receberam dos endinheirados do país e de suas entidades representativas as manifestações de estima e consideração que ele colecionou enquanto dava bolsa família para os pobres e bolsa Louis Vuitton para os ricos.
 
Diz ele que sou um defensor de privilegiados e que nenhum outro presidente brasileiro foi tão bem entendido pelo povo.
 
Respondo eu. De fato, Lula se revelou um craque na comunicação social. Fazia parte dessa estratégia ter um discurso diferente para cada auditório e não manter hoje o menor compromisso com o discurso de ontem.  Para sorte dele, a grande imprensa sempre o protegeu, inclusive no episódio do Mensalão. E a ninguém ocorreu apresentar à CUT o que ele dizia quando falava à CNI. Nem mostrar à CNI o que ele dizia na CUT. Ademais, quem defende privilegiados é o PT. Que o digam os banqueiros e os financiadores de suas campanhas e as grandes corporações. O senhor não lê jornais, professor? Por outro lado, se lê o que escrevo sabe que não há sequer uma frase de minha autoria em defesa de qualquer privilégio ou de qualquer privilegiado.
 
Diz ele que os governos militares torturaram, exilaram, brasileiros durante mais de vinte anos.
 
Respondo eu. Não foi só durante os governos militares que houve tortura no Brasil. A tortura era uma prática institucionalizada no aparato policial brasileiro e ainda não está extinta, como frequentemente se fica sabendo e como, muito mais frequentemente, não se fica sabendo. Portanto, debitar a prática da tortura aos governos militares é desprezar todos os outros torturados, de ontem e de hoje, para canonizar os guerrilheiros e terroristas que possam ter sido vítimas dessa deplorável e criminosa forma de ação investigatória.
 
Diz ele, referindo-se às minhas severas restrições à Campanha da Fraternidade (CF) deste ano, que eu não sou ninguém para criticar uma pessoa do porte do Leonardo Boff. Lembra que São Francisco falava em irmão lobo e irmã água e que, por extensão, o Poverello também diria "mãe terra". Na sequência, reafirma a frase do hino da CF, segundo a qual nosso planeta é a "mais bela criatura de Deus".
 
Respondo eu. Não faz qualquer sentido, para mim, como católico, ficar com Leonardo Boff contra a orientação de dois papas da estatura espiritual e intelectual de João Paulo II e Bento XVI. Por outro lado, presumir que São Francisco, ao falar em "irmão lobo" e "irmã água", também poderia falar "mãe terra" (expressão inserida na CF deste ano) é uma  demasia não autorizada. Mais grave ainda foi o equívoco da CF quando afirmou que o planeta é a "mais bela criatura de Deus". Para um católico, agregam-se aqui dois conceitos inaceitáveis. Designar o planeta como "mãe terra" é próprio do paganismo e do panteísmo. E a mais bela criatura de Deus, professor, é o ser humano, ápice da Criação! Nas palavras do Gênesis: Deus o criou "à sua imagem e semelhança; criou-o homem e mulher". A qualquer pessoa é lícito achar que não. Qualquer um pode considerar a Cordilheira dos Andes, a Amazônia ou o tigre de Bengala mais belos. Mas a CNBB, a Campanha da Fraternidade e os católicos não podem corroborar isso. Tal desapreço à dignidade da pessoa humana, em seu principal fundamento, é próprio dos totalitários.
 
Diz ele (certamente referindo-se ao meu artigo "Os donos da Educação") que, como professor de português, sempre ensinou seus alunos não haver certo e errado mas adequado e inadequado.
 
Respondo eu. Ensinar que não existe certo e errado mas adequado e inadequado em língua portuguesa é usar o relativismo, que tanto estrago faz na moral social e na conduta dos povos, para corroer o idioma e a capacidade de ascensão social dos alunos oriundos de famílias incultas. Duvido que algum professor de português adote essa pedagogia com seus próprios filhos.
 
Diz ele que as piores ditaduras foram as de direita (e cita como exemplo o nazismo e o regime militar de 64), mas que a direita tem a chamada grande imprensa do seu lado.
 
Respondo eu. O senhor devia pedir perdão aos cem milhões de vítimas do comunismo, por minimizá-las ante os rigores dos governos militares brasileiros. Nem o Paulo Vannuchi teve coragem de afirmar tamanho disparate. De outra parte, a grande imprensa, como qualquer organização empresarial, está com quem tem o dinheiro. E o dinheiro - 24% do PIB nacional - bem como as maiores contas de publicidade do país estão sob gestão do seu partido. Então, não me tome por tolo com esses bordões da esquerda. Eles talvez lhe sirvam à consciência, mas não convencem ninguém com um mínimo de bom senso. Como professor, o senhor deveria saber, também, que a doutrina do nacional-socialismo (nazismo) não era e não é de direita (conforme adverte o próprio site desse partido no Brasil). Ao contrário, o nazismo é uma doutrina de esquerda, tão totalitária, coletivista e estatizante quanto o comunismo. O fato de terem sido adversários políticos não os leva para campos ideológicos opostos. Uns e outros são filhos do mesmo ventre coletivista.
 
Observe, por fim, que eu só escrevo. Não grito, não agrido, não invado, não depredo, não vaio, não calunio, não difamo, não redijo panfletos caluniosos, não especulo sobre a honra de quem quer que seja. E o senhor sabe muito bem quem é useiro e vezeiro nisso. Atentamente
 
Percival Puggina