O Estado de S.Paulo - 04/12/11
Num
desses casos típicos em que a emenda sai pior do que o soneto, o
deputado Cândido Vaccarezza, líder do governo, meteu os pés pelas mãos
ao tentar minimizar a importância da revelação feita pela Folha de
S.Paulo, de que o ministro Carlos Lupi, de 2000 a 2006, na condição de
assessor técnico do gabinete da liderança do PDT na Câmara dos
Deputados, não dava expediente regular em Brasília, dedicando-se apenas
ao trabalho partidário, principalmente no Rio de Janeiro, onde morava.
Ou seja: Lupi passou seis anos recebendo dos cofres públicos para cuidar
exclusivamente dos interesses do partido de que hoje é presidente
licenciado. Para Vaccarezza, isso é perfeitamente normal, porque a maior
parte dos funcionários dos gabinetes dos deputados jamais aparece em
Brasília, já que trabalham nos escritórios políticos nos Estados.
"A
maioria (dos funcionários dos gabinetes) jamais pisou na Câmara. Porque
a maioria dos funcionários dos deputados fica nos Estados", explicou
candidamente o deputado Vaccarezza. E emendou: "Quem prova que Lupi
nunca apareceu para trabalhar? Por que o Lupi é fantasma? Porque existe
uma campanha contra ele". Certamente se referia ao "denuncismo"
orquestrado pelos inimigos do povo, que já obrigou Dilma Rousseff a
demitir cinco ministros envolvidos em negócios mal explicados.
O
homem que lidera a bancada governista na Câmara dos deputados devia
saber que existe uma enorme diferença entre funcionário público, que
trabalha para o governo e por ele é pago, e funcionário de partido
político, entidade privada que, por isso mesmo, precisa assumir, ela
própria, os salários de seus colaboradores. E para sua subsistência
contam as agremiações com os recursos do Fundo Partidário, que pode ser
usado nos casos claramente definidos pela lei. O que não pode é
funcionário de legenda partidária receber diretamente dos cofres
públicos, como era o caso de Carlos Lupi quando exercia cargo de
natureza especial (CNE) no Parlamento.
Atualmente, o Regimento
Interno da Câmara estabelece expressamente que assessores CNE são
obrigados a dar expediente na Casa. Foi uma medida moralizadora adotada
durante a gestão de Aldo Rebelo na presidência, entre 2005 e 2007. "No
caso do Lupi", afirmou Vaccarezza, "temos que ver se a lei lhe dava
permissão para trabalhar no Rio de Janeiro". Ou seja, o próprio líder do
governo não tem certeza sobre a situação do ministro quando era
funcionário CNE, mas não teve o menor constrangimento em garantir que o
ocorrido "é correto e legal, não tem nenhum absurdo nisso". Já o
presidente da Casa foi mais cauteloso, explicando que será aberta
sindicância para apurar os fatos: "Se for constatada irregularidade, a
Câmara pode pedir ressarcimento dos pagamentos feitos". Ver para crer.
O
mais extraordinário, no caso de um parlamentar, com a responsabilidade
de ser líder do governo, convalidar irregularidades no trato da coisa
pública, é que ele está falando a mais absoluta verdade. De fato, boa
parte, talvez a maioria, dos funcionários alocados nos gabinetes
parlamentares - isso vale também para o Senado Federal - "jamais pisou"
no Distrito Federal. Seus chefes garantirão, se questionados, que esses
servidores permanecem nos Estados cuidando de questões relacionadas com
as atividades legislativas; lá estão para dar atenção aos cidadãos e
encaminhar seus pleitos a seu representante no Parlamento; que cumprem a
generosa e patriótica missão de multiplicar a capacidade de atendimento
do deputado que, por ser um só, não consegue estar em todos os lugares
ao mesmo tempo. Mas a descrição acima corresponde às típicas tarefas de
um cabo eleitoral.
Embora não se possa descartar a possibilidade
de que um ou outro abnegado funcionário dos gabinetes parlamentares de
Brasília esteja em seu próprio Estado fazendo apenas o que é certo de
acordo com a lei e os bons costumes, seria ingênuo supor que a maioria
não é constituída de cabos eleitorais, pelos quais pagamos todos nós. E
há ainda outra explicação para a existência de funcionários fantasmas da
Câmara dos Deputados espalhados por todo o País: nepotismo ou
compadrio. Mas, justiça seja feita, de nepotismo, até o momento, o
ministro Lupi ainda não foi acusado.
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